A participação do consumidor como pilar da gestão em saúde

Beneficiário quiçá conhece funcionamento da saúde pública, o que dizer então dos fundamentos da operação dos planos de saúde

Por Pâmela Sposito *

A Lei dos Planos de Saúde (LPS) comemora seus 25 anos1 e nunca se discutiu tanto as melhores práticas na gestão das operadoras, como se vê nessas “bodas  de prata” do marco regulatório do mercado.

O acesso à saúde dos brasileiros percorreu um longo caminho, a começar pelo aclamado Sistema Único de Saúde (SUS)2 com sua importância indiscutível na  assistência da população que, ainda hoje, segue aprimorando sua performance  e coberturas para viabilizar o maior alcance aos cidadãos.

Contudo, mesmo com o atual investimento em saúde pública, é nítido que o acesso não é satisfatório3, seja pela falta de insumos, profissionais para  atendimento, local adequado para prestação dos serviços ou até mesmo pela  própria “reserva do possível”4 que permeia nosso sistema.

Tanto é verdade que o setor de saúde suplementar aponta um forte crescimento5, com registro de mais de 50 milhões de usuários apurados até  agosto de 2023. Esses números demonstram que o consumidor busca pela  garantia do acesso à saúde e têm alcançado a partir da contratação de  assistência suplementar, por meio dos planos de saúde.

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é a responsável pela regulação das operadoras de planos de saúde e exerce tal competência com excelência. É pelo poder fiscalizatório e fomentador do órgão regulador que os agentes atuantes no setor conduzem sua operação com mais eficiência e  efetividade.

Ocorre que, a forte regulação também impacta os usuários envolvidos. A sistemática do sistema de saúde suplementar não é considerada simples aos  beneficiários de planos de saúde, ora consumidores hipossuficientes.

O beneficiário quiçá conhece o funcionamento da saúde pública, o que dizer então dos fundamentos que permeiam toda a operação dos planos de saúde, como por exemplo, o mutualismo.

O mutualismo é um princípio fundamental para subsistência do setor de saúde suplementar e apesar de ser uma palavra desconhecida da população em geral, nada mais é que o compartilhamento dos custos e riscos da carteira de beneficiários do plano de saúde. Assim, quanto mais se utiliza, maior ficará o valor para cobrir essa conta.

Quando os beneficiários entendem esse conceito basilar, ficam mais propensos a utilizar os serviços de saúde de forma responsável, racional e equitativa. Isso reflete na diminuição da utilização indiscriminada e, muitas vezes, desnecessária, levando a uma distribuição mais justa dos custos e ampliação do acesso às coberturas.

Nesse sentido, o mercado tem buscado uma aproximação com o usuário de  plano de saúde, sendo essa pauta um dos principais focos da agenda regulatória da ANS6, que visa estimular a transparência e qualidade das informações no setor de saúde suplementar.

As operadoras de planos de saúde estão seguindo a mesma linha de raciocínio.  Estreitar a relação e tornar o beneficiário de seu produto “coparticipante” da  gestão do cuidado tem sido a aposta de muitas empresas no setor, a fim de  aprimorar o gerenciamento de ações em saúde.

Certamente, a aproximação do beneficiário de plano de saúde, tratando-o  como um consumidor consciente, desempenha um papel fundamental na implementação de uma nova cultura, para a qual destacam-se 4 pontos a  serem trabalhados:

1 – Facilitação da relação de consumo:

Quanto mais informados e conscientes de seus direitos, coberturas e limitações, a relação com as operadoras de planos de saúde se torna mais transparente e menos conflituosa.

É transparência que promove maior consciência do consumidor no uso dos  serviços e diminui, por consequência, abertura de demandas junto à ANS ou no judiciário.

2 – Consciência sobre a utilização do plano baseada no mutualismo:  

É importante traduzir o conceito do mutualismo aos usuários de planos de  saúde.

A cultura de que a saúde suplementar é irrestrita e universal somente por existir um pagamento pelo acesso a ela, confunde os consumidores e traz diversos  prejuízos ao mercado, além de favorecer a prática de fraudes entre os agentes do sistema de saúde privada.

Uma compreensão sólida do mutualismo promove uma gestão de saúde mais forte e sustentável.

3 – Diminuição de custos desnecessários:

Quando os consumidores compreendem os detalhes dos produtos que aderem estão mais aptos a usar os serviços de forma eficaz.

A escolha do cuidado adequado, da utilização correta de sua rede assistencial, das coberturas adstritas ao rol (quando regulamentado ao contrato), evita custos que extrapolam àqueles previstos no cálculo atuarial inicial da venda do  produto.

Além disso, a conscientização sobre programas de prevenção e serviços de cuidados primários pode levar a uma diminuição no número de visitas a hospitais e realização de procedimentos, resultando em economia tanto para os consumidores quanto para as operadoras de planos de saúde.

4 – Redução da judicialização da saúde:

A judicialização da saúde é o termo utilizado para o pleito aos tribunais para viabilizar a garantia de cobertura não previstas em contrato ou no rol de  procedimentos em relação a procedimentos, tratamentos ou medicamentos.

Uma compreensão clara dos direitos e responsabilidades por parte dos beneficiários pode reduzir a necessidade de litígios.

Se os consumidores estão cientes das coberturas contratadas e como utilizá las corretamente, são menos propensos a entrar em conflito com as operadoras de planos de saúde. Isso não apenas economiza tempo e recursos para ambas as partes, mas também alivia a carga do sistema judiciário.

Dito isso, cabe ressaltar que o sistema de saúde no Brasil, tanto público quanto suplementar carece de uma revisão na gestão operacional. Muitas são as discussões em torno do tema para que a assistência à saúde consiga se manter  estável e sustável nos próximos anos.

Trazer o consumidor, verdadeiramente, para dentro da relação de consumo é um dos primeiros passos para que os processos de governança e eficiência na gestão do cuidado possam “sair do papel” se materializar efetivamente.

O consumidor informado é hoje uma das ferramentas primordiais para uma  gestão eficiente no setor de saúde, pois a medida que se promove a conscientização sobre os princípios do mutualismo, incentiva-se o uso racional dos serviços e torna-se a relação transparente sobre as coberturas do contrato, há um expressivo benefício na cadeira operacional, impactando não só os usuários, mas também as operadoras de planos de saúde, reduzindo custos  desnecessários e contribuindo para a estabilidade e eficiência do sistema de  saúde como um todo.

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1 https://www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/noticias/beneficiario/lei-dos-planos-de-saude-completa-25-anos <acesso em  05/10/2023>

2 https://www.unasus.gov.br/noticia/maior-sistema-publico-de-saude-do-mundo-sus-completa-31-anos <acesso em 05/10/2023> 3 https://www.cnnbrasil.com.br/saude/ieps-aponta-que-34-da-populacao-nao-tem-acesso-a-atencao-basica-de-saude/ <acesso em  05/10/2023>

4 BRASIL. ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. O mínimo existencial e o princípio da reserva do possível. Belo Horizonte: Del Rey, 2005 5 https://www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/noticias/numeros-do-setor/agosto-crescimento-de-beneficiarios-em-planos-de assistencia-medica-segue-em-evolucao <acesso em 05/10/2023>

5 https://www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/noticias/numeros-do-setor/agosto-crescimento-de-beneficiarios-em-planos-de assistencia-medica-segue-em-evolucao <acesso em 05/10/2023>

6 https://www.gov.br/ans/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-da-sociedade/agenda regulatoria/MinutadaAgendaRegulatria_23011.pdf <acesso em 05/10/2023>

* Pâmela Sposito – Especialista em Direito Médico e Saúde Suplementar pela Escola Paulista de Direito e Advogada do M3BS Advogados

Artigo publicado, originalmente, no portal JOTA, em 18/10/2023

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